Este é o primeiro de uma série de quatro artigos, baseados no riquíssimo conteúdo do 3º episódio do ABRAz Talks. Nosso objetivo é aprofundar o debate sobre a prevenção de quedas em pessoas idosas com demência, abordando diferentes perspectivas e estratégias que promovem um envelhecimento mais seguro e com dignidade.
Quedas em pessoas idosas são um tema sério, mas que, infelizmente, ainda é cercado de mitos e uma perigosa normalização. Quantas vezes não ouvimos a frase “ah, é normal, idoso cai mesmo”? No entanto, essa aceitação passiva é um dos maiores entraves para a prevenção e pode ter consequências devastadoras, especialmente quando a demência entra em cena. É aqui que o papel da geriatria se torna não apenas importante, mas absolutamente crucial.
A queda não é um evento isolado ou uma fatalidade do envelhecimento; é, muitas vezes, um alerta. E para quem lida com pessoas idosas com demência, esse alerta soa ainda mais alto e exige uma abordagem especializada. No 3º episódio do ABRAz Talks, um bate-papo enriquecedor sobre prevenção de quedas, a Dra. Uiara Ribeiro, médica geriatra e presidente da ABRAz – PR, jogou luz sobre o papel determinante do geriatra nesse cenário.
O geriatra como detetive da prevenção
Imagine o geriatra como um detetive experiente. Durante a consulta, ele não espera que a queda seja o motivo principal da visita. Pelo contrário, ele investiga ativamente, fazendo perguntas que muitos podem considerar triviais, mas que são ouro para a avaliação de risco: “O senhor(a) já caiu?”, “Sente tontura ou instabilidade ao se levantar ou caminhar?”.
A Dra. Uiara Ribeiro observa que muitos idosos, e até seus cuidadores, acabam naturalizando essas ocorrências. Mas para o olhar clínico da geriatria, uma queda, uma tontura ou um relato de instabilidade são pistas importantes. É um convite para desvendar os múltiplos fatores de risco que podem estar por trás da fragilidade.
Decifrando os fatores de risco intrínsecos
A prevenção de quedas é como montar um quebra-cabeça, e o geriatra reúne as primeiras peças, focando nos fatores intrínsecos, ou seja, aqueles relacionados ao próprio indivíduo. Entre eles, destacam-se:
- Polifarmácia: O uso de múltiplos medicamentos é uma realidade para muitos idosos. A Dra. Uiara destaca que, na demência, é comum o uso de medicações com potencial sedativo que, apesar de importantes para o manejo de sintomas, elevam o risco de quedas. É um balanço delicado que exige a expertise do geriatra para otimizar a farmacoterapia.
- Comorbidades: Condições de saúde preexistentes, como a Doença de Parkinson (que pode causar hipotensão postural, ou tontura ao levantar) ou a osteoporose (que aumenta a fragilidade óssea), são aliadas silenciosas das quedas. O geriatra considera todo o histórico médico, compreendendo como essas condições se interligam e potencializam o risco.
- Perda de massa muscular e instabilidade: A perda de massa muscular, conhecida como sarcopenia, é um fator central. E, quando combinada com a demência, o cenário se torna ainda mais complexo.
A perigosa dança entre cognição e movimento
Um dos pontos mais fascinantes e preocupantes abordados pela Dra. Uiara Ribeiro é a síndrome do risco cognitivo-motor. Ela descreve essa síndrome como a redução da função de massa muscular e da velocidade de marcha, associada a um declínio cognitivo. Em outras palavras, quando o cérebro começa a falhar na sua capacidade de processar informações e planejar movimentos, e o corpo perde sua força e agilidade, o risco de queda se eleva exponencialmente.
E o que é ainda mais alarmante é que essa relação é bidirecional. Uma queda não é apenas uma consequência da demência; pode também ser um fator que agrava a própria evolução da demência. A Dra. Uiara compartilhou um caso marcante de uma paciente com Alzheimer que, após uma queda não percebida por ela ou pelo marido, teve uma piora cognitiva acentuada devido a um hematoma subdural. É um ciclo vicioso: a demência aumenta o risco de queda, e a queda, por sua vez, pode acelerar o declínio cognitivo e funcional.
O geriatra não atua sozinho: o início de uma rede de cuidado
A complexidade da prevenção de quedas em pessoas com demência transcende a alçada de um único profissional. A Dra. Uiara Ribeiro enfatiza que a geriatria atua como um maestro, articulando uma equipe multidisciplinar. A fisioterapia, por exemplo, é crucial para a avaliação física e a reabilitação, enquanto a psicologia auxilia no manejo da “pitofobia” – o medo de cair após uma queda, que pode levar ao isolamento e agravar ainda mais a fragilidade. Além disso, a adaptação do ambiente domiciliar é vital, e nesse ponto, a expertise de outros profissionais se faz indispensável.
Essa abordagem em equipe é a chave para um cuidado integral e eficaz. Nos próximos artigos desta série, vamos aprofundar como o ambiente, sob a ótica de arquitetos e urbanistas, e o trabalho de fisioterapeutas complementam essa rede de proteção, transformando o lar e o corpo em verdadeiros aliados na luta contra as quedas. Fique conosco para descobrir como cada peça desse quebra-cabeça se encaixa para construir um envelhecimento mais seguro e com dignidade.
Todas as citações foram retiradas do 3º episódio do ABRAz Talks, realizado no dia 30 de junho no perfil do Instagram da ABRAz (@abrazalzheimer).