Alzheimer Pré-Senil: O diagnóstico desafiador e a resiliência de Daniel e sua família

A vida de Daniel, prestes a completar 55 anos, ilustra uma realidade complexa e muitas vezes incompreendida: a do Alzheimer pré-senil. Diagnosticado há um ano e meio, ele é um dos poucos a enfrentar a doença em uma idade que a maioria associa à plenitude da vida adulta. Sua esposa, Carla Pedroso, de 50 anos, publicitária, revela que o diagnóstico, por mais doloroso que fosse, trouxe um certo alívio, pois finalmente deu nome aos desafios que enfrentavam. “Ele é consciente da doença e isso melhorou a forma como lidamos com a situação”, afirma Carla, conforme o artigo Matéria Viva Bem UOL.

O Alzheimer pré-senil, ou de início precoce, é uma condição rara, representando apenas de 5% a 10% de todas as ocorrências da doença, e manifesta-se entre os 50 e os 65 anos. Embora seja o tipo mais comum de demência, responsável por cerca de 60% a 70% de todos os casos, a manifestação precoce é um território menos explorado e mais desafiador para o diagnóstico, como veremos na jornada de Daniel, um caso atípico que não se encaixava nos fatores de risco convencionais.

A jornada de Daniel rumo ao diagnóstico definitivo foi longa e marcada por equívocos. Os primeiros sinais surgiram em 2018, quando ele tinha apenas 48 anos. Esquecimentos e outras condições foram inicialmente atribuídos à depressão, intensificada por uma demissão e assédio no trabalho. Carla percebeu problemas sutis de visão e até disfunção erétil, que eram relacionados à saúde mental.

No entanto, os comportamentos de Daniel foram se intensificando, revelando que algo mais profundo estava em jogo. Um marco claro para Carla foi em 2020, quando ele se perdeu em um Carnaval, em Porto Alegre. A situação se agravou quando, sendo um engenheiro mecânico, bilíngue, cartesiano e com grande facilidade para física e astronomia, Daniel não conseguiu ensinar ao filho uma fórmula simples de física, uma cena que Carla recorda com clareza.

Conforme o artigo Matéria Viva Bem UOL, “Ele passou a trocar a ordem dos números em transações financeiras e a se atrapalhar com relatórios de Excel.”

A busca por ajuda levou Daniel a um psiquiatra que solicitou uma avaliação neuropsicológica. O primeiro laudo, feito no final de 2021, já indicava um declínio cognitivo, mas, novamente, o quadro foi atribuído à depressão. Os comportamentos mais preocupantes de Daniel incluíam perder-se em locais conhecidos, bater o carro com frequência (sendo um motorista experiente), sair com o porta-malas aberto e passar sinais vermelhos. Essas situações culminaram em confusão e brigas, levando o casal à terapia.

Em meados de 2023, um novo laudo neuropsicológico confirmou a progressão do declínio. Somente então, ao procurar um neurologista, foi identificada uma grande dificuldade com aritmética e visuoespacial, além de comprometimento da percepção visual. A suspeita inicial era de atrofia cortical posterior, uma condição que afeta a parte posterior do cérebro, fazendo com que a pessoa “enxergue, mas não veja”, ou seja, o cérebro não processa a imagem, levando à perda de noção de espaço e dificuldades em tarefas cotidianas.

O diagnóstico definitivo de Daniel veio em dezembro de 2023, após exames que detectaram a presença de proteína beta-amiloide na parte posterior do cérebro. O mais surpreendente é que, como ressaltado no artigo:

“Ele não apresentava nenhum dos 14 fatores de risco comuns para Alzheimer, como diabetes, problemas cardiovasculares ou baixa escolaridade. Corria maratonas e não fumava”, destaca o Matéria Viva Bem UOL.

Esse caso sublinha a complexidade do diagnóstico do Alzheimer de início precoce, onde os sintomas podem afetar não apenas a memória, mas também a linguagem, a função visual, o comportamento e a atenção, sendo frequentemente confundidos com estresse, depressão, insônia ou burnout. É por isso que a busca por especialistas em neurologia ou psicogeriatria, acostumados com esses quadros atípicos em pessoas mais jovens, é fundamental para evitar a perda de tempo crucial para o tratamento.

O diagnóstico de Alzheimer pré-senil não afeta apenas o indivíduo, mas desestrutura toda a família, especialmente porque acomete pessoas em idade produtiva que, muitas vezes, são provedoras e estão no auge de suas carreiras. A história de Daniel e Carla é um testemunho vívido dessa realidade.

Após o diagnóstico definitivo, Daniel aposentou-se, e Carla precisou assumir o controle financeiro e operacional da família. Essa mudança representa um dos muitos “custos indiretos” da doença, que vão além das despesas médicas. A perda de produtividade do paciente e a dedicação integral do cuidador se tornam um ônus significativo.

A família de Daniel demonstra uma capacidade notável de adaptação e planejamento. Carla, por exemplo, não apenas assumiu as rédeas financeiras, mas também planeja o futuro, inclusive uma mudança para um apartamento térreo com acessibilidade, antecipando uma futura necessidade de cadeira de rodas. Essa proatividade é essencial diante da evolução da doença, que, no caso do Alzheimer pré-senil, tende a ser mais agressiva e rápida.

O artigo Matéria Viva Bem UOL também destaca a importância de todos ao redor estarem cientes da doença, terem paciência e fazerem um planejamento financeiro, buscando benefícios e se preparando para os cuidados e adaptações. É uma jornada que exige não apenas resiliência emocional, mas também uma organização prática e contínua para lidar com os desafios que surgem. A história de Daniel e Carla evidencia que a força de uma família é testada e fortalecida pela capacidade de se adaptar e se apoiar mutuamente diante de um cenário tão complexo.

Embora o Alzheimer ainda não tenha cura, os avanços da medicina oferecem tratamentos que visam retardar a progressão da doença, reduzir a velocidade da perda cognitiva, manter a qualidade de vida e preservar a autonomia do paciente pelo maior tempo possível. O tratamento farmacológico para a forma precoce espelha o da senil, utilizando medicamentos como anticolinesterásicos (rivastigmina, galantamina, donepezila e memantina), que são aprovados e disponíveis pelo SUS. Mais recentemente, novas opções como o Donanemab, um anticorpo monoclonal, foram aprovadas, e o Lecanemab aguarda aprovação da Anvisa.

Contudo, a medicação é apenas uma parte da equação. Estudos mostram que hábitos saudáveis e a atenção aos fatores de risco modificáveis são cruciais. O artigo Matéria Viva Bem UOL cita um estudo que acompanhou pacientes com Alzheimer, mostrando que mais de 83% mantiveram ou melhoraram a cognição com mudanças intensas no estilo de vida, incluindo alimentação vegana, exercícios diários e práticas de redução de estresse.

*Fatores Modificáveis: depressão, hipertensão não tratada na meia-idade, doenças cardiovasculares, obesidade, sedentarismo, baixa escolaridade e socialização.

A pesquisa revelou que 34,7% dos casos de comprometimento cognitivo poderiam ser evitados ao reduzir esses fatores de risco. Assim, a prevenção pode ser promovida por meio de autocuidado, atividade física regular, alimentação saudável, manutenção de uma vida social ativa, estímulo cognitivo através do aprendizado de coisas novas, gerenciamento do estresse e evitar drogas, álcool e tóxicos, além de cuidados gerais de saúde.

No caso de Daniel, a esposa Carla percebe a importância da estimulação contínua: quanto mais atividades ela oferece, melhor ele responde, mesmo que não as faça perfeitamente. Ele mantém uma autonomia notável, indo à academia sozinho e realizando tarefas domésticas simples, como cozinhar arroz. No entanto, atividades mais complexas, como montar aparelhos eletrônicos ou gerenciar finanças, tornaram-se difíceis. Isso reforça a necessidade de adaptar as expectativas e focar nas capacidades remanescentes.

Para as famílias e cuidadores, a rede de apoio é fundamental. Embora por vezes escassa, existem grupos como os da ABRAz (Associação Brasileira de Alzheimer), onde familiares compartilham experiências e aprendem estratégias de enfrentamento. Carla, por exemplo, participou ativamente desses grupos e reconheceu a necessidade de cuidar de si mesma para poder cuidar de Daniel.

“Pedir ajuda e cuidar da própria saúde física e mental, inclusive com terapia, é essencial para o cuidador”, salienta o Matéria Viva Bem UOL.

O suporte não se limita apenas ao paciente, mas se estende ao círculo de cuidadores, que enfrentam um peso emocional e físico imenso.

A história de Daniel e de tantas outras famílias brasileiras com Alzheimer pré-senil nos lembra da urgência de aprofundar o conhecimento e a conscientização sobre esta forma da doença. Embora o componente genético seja significativo em alguns casos —com três genes (APP, PSEN1 ou PSEN2) podendo apresentar uma mutação que causa a versão pré-senil—, ele ainda representa menos de 1% de todos os casos de Alzheimer, mas 11% dos casos de início precoce, tornando o aconselhamento genético benéfico para aqueles com forte histórico familiar.

A evolução da doença de Alzheimer pré-senil tende a ser mais agressiva e rápida, com uma sobrevida média estimada em 8 a 10 anos, embora essa seja uma projeção individual e passível de variação com os cuidados. Isso reforça a importância do diagnóstico precoce e da intervenção imediata, tanto com tratamentos farmacológicos quanto com mudanças de estilo de vida.

O artigo Matéria Viva Bem UOL destaca a resiliência de Daniel e Carla, que, mesmo diante de um diagnóstico desafiador, demonstram a capacidade de adaptação e a importância do suporte familiar e externo. A autonomia mantida por Daniel em algumas atividades cotidianas e a proatividade de Carla em buscar conhecimento e planejar o futuro são exemplos poderosos.

É fundamental que a sociedade e os profissionais de saúde estejam cada vez mais atentos aos sinais atípicos do Alzheimer em pessoas mais jovens, evitando diagnósticos tardios ou equivocados que podem atrasar o início do tratamento. A prevenção, por meio do controle dos fatores de risco modificáveis e da adoção de hábitos de vida saudáveis, é um pilar crucial para reduzir o impacto da demência.

A jornada de Daniel serve como um lembrete vívido de que o Alzheimer, em suas diversas formas, exige uma abordagem multifacetada: médica, familiar, social e emocional. O apoio a pacientes e, principalmente, a seus cuidadores, através de redes de suporte e conscientização, é um passo essencial para garantir que ninguém precise enfrentar essa doença sozinho.