Impactos Positivos

Por ocasião do mês mundial para a conscientização da doença de Alzheimer em todo o mundo, é fundamental apresentarmos e discutirmos as principais questões relativas a essa condição. No entanto, há um aspecto pouco comentado e que será abordado no texto que se segue, que diz respeito aos impactos positivos que a doença pode proporcionar.

Invariavelmente, todos sabemos que a doença de Alzheimer gera muitos transtornos negativos, como problemas de saúde aos familiares e cuidadores; impossibilidade de se deslocarem sem uma programação devidamente bem planejada, e comprometimento da renda familiar. Consequentemente, surge um significativo estresse emocional sabidamente mais intenso que o estresse físico. O resultado disso tudo é um impacto profunda na qualidade de vida de todos os envolvidos.

No entanto, apesar de pouco difundido e comentado, e para surpresa de muitos, a doença também proporciona impactos positivos. Sem dúvida alguma, para um número muito grande de pessoas, fica realmente difícil explicar como que uma situação tão complexa e delicada possa trazer algum benefício, algum aprendizado, basicamente para seus familiares ou pessoas próximas.

Principalmente, e acima de tudo, a doença de Alzheimer deve ser entendida como uma condição extremamente dependente de relacionamentos. E são muitos, de diversas formas. Seja entre o médico e o paciente, ou qualquer outro profissional e o paciente; entre familiares e profissionais da área; entre os próprios profissionais; entre conhecidos, paciente e familiares; e entre o cuidador e o paciente, ou entre o familiar e o paciente. Tudo, e absolutamente, tudo o que vier a surgir em qualquer momento ao longo da evolução da doença dependerá de como essas relações foram construídas previamente aos sinais e sintomas, ou de como essas relações foram se modificando ou evoluindo já no desenrolar de todo o processo demencial, para usar uma palavra que não condiz com o tratamento da doença pois parece que nunca conseguimos propriamente nos livrarmos daquele nó, mas sim procuramos afrouxá-lo continuamente.

Portanto, os impactos positivos dizem respeito justamente aos aspectos existentes nas relações, que se desenvolvem e trazem um retorno benéfico à sociedade e aos familiares e cuidadores. Logo, torna-se interessante citar alguns depoimentos de familiares para ilustrar esse sentimento.

“A demência tem ajudado atualmente o nosso relacionamento. Nosso relacionamento é mais forte pois sou a única pessoa da família que consegue cuidar dela, então tivemos que nos comunicar melhor. Nós seguimos lutando, entretanto, há uma série de bons momentos”. Mulher cuidando de sua mãe com demência.

“É um relacionamento lindo e quase romântico. Nós parecemos muito mais abertos com nossos sentimentos. Acho que ele perdeu muitas inibições em relação à vida em geral. Seu adorável senso de humor permanece, e, na verdade, até mesmo aumentou, pois ele não precisa mais se preocupar com as coisas. Ele sorri muito e eu o amo muito”. Mulher cuidando do marido com demência.

Alguns cuidadores também falaram sobre como a conexão emocional com a pessoa amada com demência permanece; mesmo que a pessoa com demência não pareça conhecê-los, ainda há momentos de conexão. Como o exemplo de um homem que contou sobre a experiência de dançar com sua esposa em sua casa de repouso e, embora ela não se lembre de quem ele é, nesse momento ela sabe o quão importante é o relacionamento deles. Pode ser um olhar em seus olhos, um sorriso e um olhar conhecedor, ou uma risada compartilhada.

“Nós transformamos muito bem as lágrimas e a tristeza, em risos e alegria. Nosso relacionamento mudou muito já que eu vivo com um total estranho, mas nossas memórias e o homem íntegro que uma vez compartilhou nossas vidas permanecerão, e serão respeitados pela pessoa que ele foi e pela pessoa que ele se tornou.” Mulher cuidando de seu marido com demência.

“Há uma alegria profunda em se colocar em segundo plano e concentrar os esforços no conforto de outra pessoa, emocionalmente ou fisicamente.” Mulher que cuidou do marido com demência de início precoce.

“A relação com demência era mais fácil porque era unidirecional. Era como se eles tivessem uma segunda infância e fosse menos complicada e mais fácil porque eles não discutiam e estavam mais tranquilos”. “Fico feliz de ter passado esse tempo com eles. Aproveite o tempo enquanto você pode. Ponha de lado suas diferenças. Eu não queria não cuidar deles e me arrepender mais tarde.” Filha cuidando dos pais.

“Quando o Alzheimer chegou eu achei que havia perdido a minha amiga, companheira e confidente. Porém, passados alguns anos, eu percebi que ao contrário do que pensava, ela está aqui, ainda mais amiga, companheira e confidente.” Filha que cuida de sua mãe com Alzheimer.

Enquanto muitas das histórias são sobre desafios, lutas e perdas, os familiares também são capazes de identificar o impacto positivo da demência em seus relacionamentos. Para alguns, a demência forneceu oportunidades para se reconectar com os entes queridos e estabelecer novas relações com a pessoa que eles cuidam. Alguns cuidadores contam sobre a satisfação que receberam de cuidar de seus entes queridos e sobre o reconhecimento da oportunidade de passar tempo com eles.

Logo, além da oportunidade de desenvolvimento da relação entre o paciente e seus familiares, há a possibilidade de fazer com que a relação possa ser trabalhada e melhorada, gerando prazer mesmo na presença de situações adversas. Portanto, ao contrário do que muitos possam imaginar, pode ser um momento ou uma época transformadora e de crescimento individual e coletivo.

Além disso, há mais um aspecto extremamente importante para ser lembrado. Uma das questões que torna uma sociedade melhor, mais preparada e evoluída, é uma sociedade que procura cuidar do próximo e transmitir esse conceito às futuras gerações. Quando esse cuidado está presente, naturalmente e delicadamente ele pode ser lentamente estimulado e ensinado aos filhos, netos e toda uma nova geração de pessoas se formam capazes de enfrentar situações extremas e complexas que podem ir muito além das demências. Ou seja, cuidado gera mais cuidado, mais respeito, mais iniciativa e atitude, características que passam a ser mais valorizadas e materializadas na sociedade.

Finalmente, mesmo diante de tantas adversidades, situações difíceis e momentos quando parece não haver mais força alguma ou energia, e a vontade seria de desistir, torna-se importante lembrar e procurar cultivar os aspectos positivos. O impacto gerado poderá repercutir positivamente em inúmeras ocasiões e fará com que tudo faça mais sentido.

 

Fonte consultada:

Miskovski, K. (2017) Relationships and Dementia, Alzheimer’s Australia NSW. Discussion Paper 19, June 2017.